20090705

UM CONTO DA ORIGEM DAS CIDADES






Primeiro os viajantes escolheram uma clareira, que eles mesmos haviam abertos há uma semana ou duas. Como não havia relógio, senão a própria natureza com suas sombras e luzes, guiavam-se os homens velhos, os casais e as parteiras por um relógio biológico natural e o comportamento do Sol, quando havia luz do sol. Estavam todos dispostos a construírem uma cidade.


No primeiro dia, após decidirem em assembleia sobre a construção da primeira edificação, ergueram no centro da clareira uma igreja. Como muitas eram as denominações religiosas, embora a fé fosse una, edificaram uma igreja para atender a todos os credos. A igreja. Foram trazidas pedras, pois deveria ser duradouro aquele prédio onde abrigaria a religião de cada um em um todo. Enquanto alguns trabalhadores construíam a igreja, outros construíam a cadeia. Surgira a ideia de se fazer uma cadeia, pois já no primeiro dia o povo teve dúvidas e carências e os carentes se socorreram a quem poderia ajudar, esquecendo-se de honrarem suas dívidas. A cadeia. Como alguns não pagando o que devia, meteram-se em brigas e mortes, a solução era deter essa gente violenta em algum lugar seguro; também, em razão de rixas, contendas e mortes, alguns enlouqueceram; os loucos deveriam ser levados para um lugar que os desse segurança e segurança aos demais, restou-lhe, porém, a cadeia; assim, os loucos passaram a dividir o confinamento com presos recolhidos por delitos leves (furto de um machado, de uma camisa, de um par de botas), graves (não obedecer aos demais da comunidade e cometer homicídios), gravíssimos (anarquizarem as normas gerais).


No segundo dia, depois da inauguração da igreja e da cadeia, moradores daquela localidade no coração da floresta, acharam melhor construírem também casas que os abrigassem, pois até então eles moravam como podiam. Alguns em árvores, outros em locas de pedras, aqueles em cavernas e havia quem preferisse à beira dos riachos. Outra reunião para saber onde deveriam ficar as edificações de pedras e as de palhas e as de barro e as de cipós, porque para cada qual seria de acordo com suas habilidades e outros argumentos que foram apresentados e bem recebidos por todos os presentes. Iniciou-se a construção da residência feita com pedras; para esta, todas as pedras que puderam ser encontradas dentro e fora da clareira, ao longo dos riachos e nas cavernas, foram conduzidas até uma elevação que tinha a natureza criado dentro da clareira e, ali, ergueu-se o prédio. Outras casas, segundo as necessidades e posses das famílias, após duas ou três primaveras, a clareira enchera-se de habitações.


No terceiro dia, logo que concluíram as residências daqueles habitantes no seio da floresta, houve outra assembleia para decidirem sobre a criação do comércio, da indústria, da educação, da vida publica e de respectivos funcionários que fiscalizassem a vida no lugar onde se originava a cidade. Homens e mulheres se candidataram para gerir o bem público, para cuidar da compra e venda dos mais variados produtos, gente com habilidade ao ensino sonhava em transformar o desejo de crianças e adolescentes em vencer na vida, alguns escolheram seus espaços onde deveriam ser edificadas fábricas. As indústrias foram prosperando com outras atividades, como as iniciativas dos comerciantes que visavam o lucro, os funcionários do povo estipularam tarifas, taxas, contribuições de melhorias e impostos a serem cobrados para melhoria de todos, e as escolas foram adaptadas em alguns lugares ociosos onde crianças poderiam ser educadas.


No quarto dia, concluído os cargos públicos de delegado juiz, prefeito, edil, professores, guardas, além de outros, alguém percebeu a falta de higiene e, para solucionar este problema, inventaram higienistas. Os que cuidavam da higiene no lugar começaram a estabelecer metas de limpeza, de saúde pública, de vigilância sanitária que agradavam a uns e desagradavam outros. Naquele quarto dia deste conto da origem das cidades, quiseram também abrir rua mais larga, pontes sobre os riachos que nasciam próximos a clareira, pavimentar logradouros na Prefeitura, pintar alguns prédios públicos e reformar aqueles que eram de palha e deveriam ser, agora, de pedra por sugestão dos comerciantes que vendiam pedras também vindas das indústrias fabricantes de lajedos, pedras e pedregulhos.


No quinto dia, as autoridades e o povo reconheceram sua obra. Estavam felizes por ter encontrado aquela clareira no centro de uma floresta e resolvido fazer daquele espaço um lugar para criarem seus filhos com segurança e saúde. A manhã do dia número cinco, algumas pessoas apresentaram ao prefeito, que foi analisado pelo juiz, lido pelos professores um pré-projeto onde alguns escolhidos na comunidade seriam eleitos escritores, historiadores, memorialistas, jornalistas para registrarem as crônicas daquela cidade. A cidade passou a ser conhecida em outros lugares do mundo, graças a ideia no plano hipotético e a prática da ideia no aspecto político, de se fazer a historiografia da cidade, de se construir um mito em torno da criação da cidade, estabelecer prioridades e outros cargos criados para serem ocupados por antropólogos, assistentes sociais, sociólogos, filósofos, e os pensadores os mais abrangentes possíveis, além das profissões tradicionais, as que fossem criadas conforme alguém tivesse a ideia de criar e exercitar um feito intelectual aprovado na cidade.


No sexto dia, o prefeito admirou a sua cidade do olho da janela no andar mais alto da Prefeitura. Tudo estava limpo e era bonito. O inverno era inverno, o verão era verão, a primavera existia apenas no calendário e o outono se conhecia através dos filmes em DVDs que eram locados na cidade. Como tudo estava perfeito e acabado, reuniu-se o prefeito com seus conselheiros para que outras cidades fossem criadas, algumas conquistadas, cidades transformadas em cidade fantasma. Um exército foi formado por voluntários da cidade e uma horda de ágeis interessados em conquistarem, em colonizarem, em escravizarem, em pilharem, em conhecerem novas terras, seguiram em meio à floresta com firme propósito em realizar sonhos, destruírem sonhos, semearem utopias.


No sétimo dia, com regresso de todos os filhos da cidade, neste dia, veio com eles à informação – e esta se disseminou por entre todos – de que alguns vivem esta vida como se não houvesse outra vida depois desta; estes almejam com sofreguidão viver tudo o que se tem para viver em um único dia. Outros, sabendo que haverá uma outra vida após esta, vive um pouco a cada dia.

E OS POETAS CRIARAM A POESIA CONCRETA QUE ASSIM SE SONETIFICOU